É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo." (Clarice Lispector)

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Aprendendo a ser" Limpa"

Quando fui  para a casa de minha nova familia, nunca imaginava que seria tão dificil me adaptar.
Não me lembro o que aconteceu no dia seguinte,,,
Minha memória foi bem seletiva, apenas armazenou momentos ruins.
Tenho certeza que nem todos foram ruins, mas como eu era apenas uma criança 
e sentia muita saudade de minha mãe e meus irmãos, talvez, por isso a dor fosse tão grande.
Me lembro que chorava todas as noites, sufocando os soluços debaixo do edredom.
Sempre me perguntava por que aquilo tinha que acontecer comigo.
Como se não existissem dores piores no mundo.
 Mas aquela era a minha dor e centralizava todos os meus pensamentos.
Aprendi a comer com talheres, a me sentar a mesa, a ter postura, a não comer de boca aberta, a tomar dois ou mais banhos todos os dias(isso eu amava )a escovar os dentes após as refeições,a estar sempre limpa, penteada, bem vestida, a falar baixo, a nunca falar a não ser que tivesse autorização.
Aprendi que eu deveria ser comportada, rir baixo, me sentar sempre de pernas fechadas, a esconder as calçinhas pra  que meus irmãos não as vissem, nem no varal, a andar (minha mãe dizia assim: Menina olha a postura, murche a barriga, empine o bumbum, e os peitos...Agora caminhe como uma menina) E eu gostava de tudo aquilo, apesar de não entender do que aquilo me seria util, Estava prestes a completar 6 anos e já tinha vivido tanto que me sentia com muito mais idade.
Mas eu era obediente, absurdamente grata. Não queria envergonha-los. E sempre que saiamos minha mãe me olhava e dizia,:Olha lá como vai se comportar heim, você não está mais no mato. Agora tem que se comportar como uma garotinha limpa.
Eu me perguntava: Limpa??
Mas porque limpa, eu não era suja, sempre tomava banho, uma vez por dia mas tomava, não tinha chuveiro, mas tinha bacia e uma caneca. Mas o melhor banho era o de chuva, minha mãe de sangue quando saia pra trabalhar dizia:" Se chover não se esqueçam, esponja e sabão na mão, o banho que vem do céu é o melhor, lava a a alma e apaga os pecados." Não ficava suja a não ser quando rolava, no mato e brincava com meus irmãos.
Sentia saudade, da liberdade que me roubaram e que até hoje não me devolveram.
Os dias passavam lentamente...
Sandra