É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo." (Clarice Lispector)

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Éramos quatro irmãos...
Gilvan o mais velho , esse era diferente de todos nós, Lindo.
Tinha cabelos negros, olhos negros e expressivos e um sorriso que enfeitiçava.
trabalhava , vendendo picolé, e fazendo outros pequenos bicos, Todo pouco dinheiro que conseguia entregava pra minha mãe.
Forte, decidido e muito, muito revoltado.
Vir a saber o porque quando já estávamos adultos. Ele odiava meu pai, por causa da sua maldade e principalmente porque ele não o registrou como filho, ele só tem o sobrenome da minha mãe.
Segundo meu irmão ele se recusou a registrá-lo. Não entendo porque ele se sente revoltado por isso. Pra mim teria sido uma honra não ter o sobrenome daquele homem.
Bom o outro irmão é o que tem o nome do meu pai.Otoniel, nós o chamavamos Toninho.
Amoroso, divertido e doce.
Mais novo que eu, e eu cuidava dele. do meu pretinho, de todos nós o mais pretinho...queimadinho rsrsr
E o mais novinho com apenas 1 ano e meio Daniel;
Esse era o meu bebe...Estava comigo pra onde eu ia, agarrado na cintura ou lavado pelas mãos.O bebe da casa.
Na minha casa não havia banheiro, somente uma fossa no quintal.
pra quem não sabe como é. È um buraco fundo feito no chão claro, depois coberto com tabuas, deixando apenas um pequeno buraco.
As necessidades tinham que ser feitas agachadas, não tinha vaso sanitário.
Havia em volta tres paredes coberta com telhas e na porta uma cortina.
A noite meu irmãozinho tinha medo de ir ao banheiro, então fazia sempre no chão. No outro dia eu limpava, o que não era dificil já que o chão da casa era de terra batida, eu pegava a pá e raspava a terra. depois era cobrir o buraco e pisar a terra.
Todos os dias tinha que fazer isso, depois molhar o chão e varrer (molhar pra não levantar poeira.
O banho era tomado em uma bacia grande de plastico e uma caneca.Buscava a agua na mina esquentava e dava banho nos dois menores, depois tomava banho.
Os dias passavam mais rapido.Pois tinhamos muito o que fazer, o que brincar e por onde correr e andar, éramos bichos soltos, Já que minha mãe ficava pouco tempo em casa.
Mas um dia o horror aconteceu...
Sandra


terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Levada, irmãos ficam para trás...Outros pais.

Me lembro da fome, das brincadeiras de criança, me lembro do frio , me lembro da miséria, mas não consigo me lembrar de um carinho, de um afeto, de um beijo recebido.
Talvez as dores tenham apagado as alegrias, sei lá.
Minha mãe morta, naquele caixão, o sentimento de solidão profunda.
Primeiro a incompreensão, depois a dor.A saudade.
O enterro saiu, não me deixaram ir, tinha que ficar com os mais novos, mas naquela hora percebi que minha mãe não voltaria mais.
Passamos então a viver por nós mesmos. Comendo o que ainda tinhamos e completando com que meu irmão trazia,.
Sabiamos que teriamos que sair da casa. Mas pra onde iriamos, não tinhamos tios, primos, avós.Ninguem Chorávamos em silencio nas noites que se sucederam. Sem esperanças e com medo.
Um dia o patrão da minha mãe parou uma moto em frente minha casa e me disse que iria me levar.
Mas eu lhe perguntei e meus irmãos?
Ele respondeu que eles ficariam..Me lembro de partir chorando ,na garupa daquela moto, sabendo que não ia mais ver meus irmãos.E me peguntava: Pra onde ele estaria me levando? Me disse no caminho que eu teria uma nova mãe e que agora ele seria meu pai. Eu não queria uma nova mãe, queria a minha mãe, minha familia, minha vida por mais miseravel que fosse.
Mas senti gratidão, pelo gesto dele, por me querer, por me acolher.
Mas e meus irmãos? Ficariam na rua, sozinhos, e quando eu poderia ve-los?  Tive medo que perguntar e ele me achar uma ingrata. Então me calei, e isso fiz por anos e anos.
Gratidão e tristeza...dois sentimentos que me dominavam naquele dia.

Sandra

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Triste Natal

A miséria era grande, as vezes a fome, tirava o sono...
A angustia de ver minha mãe se matando de trabalhar e não poder fazer nada, me deixava noites e noites sem sono.
Ela sempre trabalhava, todos os dias, desde que o dia amanhecia até tarde da noite.
Não conseguia entender como ela conseguia trabalhar tanto, mas sempre vi em minha mãe um exemplo de garra e força.
Mas eu era apenas uma criança e as vezes sentia que a decepcionava. 
Sempre cobrei muito de mim, até hoje sou assim. Não me permito errar...Estou amadurecendo, melhorando.
Como estamos proximos do Natal, vou contar uma triste história que aconteceu com agente...
As lembranças vem fora de ordem, mas tenho que aproveitar cada fragmento de memória.
Meu irmão brincava com o filho e tambem dono da nossa casa.
Brincavam com a estilingue, um tentando acertar mamona no outro. Por azar meu irmão acertou no menino.
Que mais que depressa foi correndo contar para o pai. Um cabo gordo , asqueiroso e cruel.
Ele chegou no muro e nos disse que quando nossa mãe chegasse ele contaria a ela e exigiria que sumissemos de lá.
Ficamos todos desesperados. Meu irmão disse que foi só brincadeira. mas não adiantou.
E ele cumpriu a promessa, contou tudo da forma dele pra minha mãe,que já cansada, ficou extremamente raivosa.
Ele exigiu que saissemos de lá ainda aquela noite
Mas era véspera de natal e minha mãe tentou pedir a ele que nos deixasse lá
só por mais dois dias, ele foi irredutivel.
Minha mãe entrou, deu uma surra em meu irmão e o colocou de castigo, sobre as tampinhas (malditas tampinhas).Eu não suportava aquilo...Doía em mim...Eu havia ganho dela uma boneca, que tinha cabelos,
não mexia pernas , nem braços mas tinha cabelos...
E estava apaixonada por aquela boneca, diria fascinada.
Minha mãe então me pegou pela mão e fomos a procura de algum lugar pra morar. Ninguem nos atendeu, minha mãe chorava, eu não podia definir o que eram lagrimas , o que era chuva, mas eu a ouvia soluçar vez ou outra.
E eu chorava tambem, mas não por estarmos naquela situação, mas porque vi os cabelos da minha boneca se enrolarem, embaraçarem...Nunca tinha ganhado uma boneca e cada vez que eu olhava pra ela eu odiava mais aquele homem que queria nos colocar na rua...Que foi o culpado por meu irmão estar lá sobre as tampinhas...Andamos até de madrugada, cansadas e com muita fome voltamos.
Meu irmão dormia sob as tampinhas, eu o retirei, o deitei na cama e o cobri, me sentei em um canto e fiquei vendo minha mãe chorar desesperada...
No outro dia a noite...Ela começou a sentir dores horriveis...Meu irmão mais velho saiu em busca de ajuda, eles vieram levaram minha mãe e a trouxeram em um caixão...Quando eu olhei pra ela dentro daquele caixão roxo, que ainda era de tecido na época, eu pensei.Ao menos na morte, minha mãe teve algo que queria.Ela sempre pedia, quando eu morrer me enterrem em um caixão roxo.Ela só tinha trinta e seis anos; E eu apenas seis, Mãe eu só queria ter tido tempo de lhe dizer que te amo, você me fez tanta falta, quis tanto teu colo, teu ombro, teus conselhos...Queria você comigo nas noites de tristeza profunda, nas noites em que tentaram me usar...Mãe como foi horrivel e solitária a vida sem você. Quero te dizer mãe que mesmo descobrindo depois tudo sobre você...Eu te amo, e me orgulho demais de você.Mas você paritu tão cedo, e só deu tempo de lhe dar um beijo...
Eu chorava e não entendia bem o que estava acontecendo.Minha dor se misturava com o ódio que sentia pelo cabo, aquele homem horrivel... por te-la feito sofrer tanto, por te-la feito chorar tanto, por ter feito meu irmão sofrer tanto, por ter-me feito ter que cortar os cabelos da minha boneca.Por te-la feito morrer...
Eu não me recordo bem, mas sei que naquele momento, me restaram apenas varios sentimentos misturados, mas o maior deles foi solidão. Pela primeira vez senti a mais profunda  Solidão...Não sabia que durante a vida ainda sentiria muito aquilo, mas n a época nem sabia o nome deste sentimento...Por isso não gosto do natal!


Sandra

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Depois da partida...

O pai partiu...
A miséria se tornou ainda maior.Minha mãe trabalhava todo o dia, mas o que ganhava não dava. para pagar o aluguel e ainda nos manter.
mesmo morando em uma tapera. Éramos explorados pelo dono da casa. Um cabo da policia.
Se queríamos comer carne meu irmão caçava passarinho.
Certo dia ele pulou no quintal do vizinho e roubou algumas folhas de couve.
O vizinho viu, contou a minha mãe e ...Surra,castigo, ela nos colocava de joelhos sobre tampinhas de garrafa.
Os joelhos sangravam, porque não podíamos encostar. então todo o peso do corpo era jogado nos joelhos e conseqüentemente sobre as tampinhas.
Não acho que minha mãe tenha sido cruel com agente, apenas achava que esta era a melhor maneira de nos corrigir.
Mas a dor era terrível. E quando saiamos, ela não curava as feridas, nos mandava dormir.
Durante a noite eu ouvia os gemidos de meu irmão e pensava, Nunca, vou fazer isso com meus filhos.
Morávamos nos fundos da APAE.
O dia mais feliz pra nós era quando eles faziam festas lá, e jogavam o que sobrava do outro lado do muro que era um pasto.
Junto com o lixo.Quando ouvíamos que tinha festa já ficávamos a espreita. Comíamos os restos, fazíamos a nossa própria festa. E nunca tivemos nojo, não tínhamos esse direito.Esse privilégio.
Simplesmente comíamos e eu dava pro meu irmãozinho, sempre grudado nos meus quadris.
Nunca ficamos doentes por isso.
Acredito realmente que Deus guarda os bêbados e as crianças, mais que aos outros.
O melhor dos dias eram as brincadeiras...Eu como sempre fui hiperativa, subia até no bambuzal, só pra descer e ve-lo voltar e dar lambada em quem estava atrás.. Brincávamos livres por aqueles cantos, matos, agua.Éramos bichos soltos, livres o dia todo. Mas sabíamos que não podíamos fazer nada de errado, porque a surra seria doída.
Ninguém ia a escola ainda. Nem meu irmão mais velho, porque saia todo dia pra ganhar uns trocados.
As vezes ganhava as vezes não. O que minha mãe ganhava ela dividia entre pagar uma casinha que estava comprando e fazer a despesa de casa. Ou seja comprar , feijão açúcar e fósforo.
Vez ou outra uma roupinha, pra um ou outro. Porque aproveitávamos as roupas uns dos outros, até que acabassem.
Mas não nos importávamos com isso. Me lembro de meu irmão do meio Otoniel, chorar porque queria o carrinho do vizinho, filho do dono da casa.
O menino brincava perto do portão para que víssemos tudo que ele tinha. Eu pegava meus irmãos e levava pra dentro.
Brincava com eles pra que esquecessem. E eu tinha apenas cinco anos...
Sandra

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Mãe cria coragem e manda pai embora.



Nunca soube nada da vida de minha mãe. Se ela tinha pais, se tinha irmãos, primos,.
Se os tinha,eles nunca nos visitavam.Minha mãe era uma mulher forte, bonita e endurecida pela vida.
Não me lembro de ter recebido dela , um carinho, um beijo, um afago, ou uma palavra terna.
Nem eu e nem meus irmãos. A vida a deixou assim, se casou jovem com um homem duro. Que trabalhava de chapa de caminhão.Mas todo dinheiro que ganhava gastava com a bebida. Quando voltava para casa ainda agredia minha mãe e nos agredia.
Me lembro de um desses episódios, .
Ele chegou em casa bêbado, começaram a discutir, me lembro que eu e meu irmão estávamos sentados em
um canto da cozinha. Só me lembro dos gritos, de ambos.Até que ele começou a agredir minha mãe. 
Ela chorava e gritava, mas ninguém vinha socorrer.
meu irmão mais velho , na época com 8 anos, desesperado pegou um cabo de vassoura e deu na cabeça do meu pai, ele desmaiou.
Minha mãe chorava muito, meu irmão mais novo gritava desesperado, eu o acolhi em meus braços e o acalmei, tinha tanto cuidado com ele, afinal era um bebe, apenas um ano de idade.
Minha mãe se acalmou e meu pai ficou lá no chão até que acordou.
Nos deu uma surra, e saiu. Certamente para beber mais...
Não nos importamos em ter apanhado, o importante foi ter tirado minha mãe das garras daquele monstro.
E essa é apenas uma das muitas vezes que ele a agrediu e nos agrediu.
Não me lembro bem dele. Depois desse episódio algo em minha mente bloqueou.Só me lembro de minha mãe mandando ele embora e ele ajuntando as coisas e partindo.
Lembro da sensação de alivio.Mesmo sabendo que a miséria que ele colocava em casa faria falta. 
Porem eu e meu irmão prometemos um pro outro que trabalharíamos para ajudar.
Meu irmão já vendia picolé na rua, naqueles carrinhos ...Um dia saímos nós dois pra vendermos juntos, fomos abordados por uma turma de moleques que alem de nos baterem roubaram nosso dinheiro.
Chegamos em casa chorando, meu pai nos deu uma surra e disse:Apanha na rua, apanha em casa.pra aprender a bater.
Ele foi cruel e por isso ficamos felizes quando sumiu pra sempre.
Só ha nesta vida uma pessoa pela qual sinto raiva,desprezo... ele.


Sandra

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Uma das surras e um pouco do Pai

Me lembro que um dia, eu estava dependurada em uma arvore, que dá umas florzinhas vermelhas, e que se arranca o caulezinho dela e se chupa um mel.
Amava fazer isso...Eu e meus irmãos. Quando avistei lá longe minha mãe, era de tardezinha e eu ainda não tinha limpado a casa. Se é que se podia chamar aquilo de casa. Dois cômodos de terra batida, paredes sem reboco, uma cozinha com fogão a lenha, onde minha mãe colocava um banquinho pra eu alcançar e aquecer a comida, que se resumia em feijão adoçado. Adoçado porque sustentava mais.
Nesta cozinha tinha um armário velho e só. Comíamos com as mãos, não haviam talheres.
Um quarto com duas camas, uma de casal e outra de solteiro, uma cômoda velha, por onde as roupas vazavam. Em uma das camas dormíamos eu e meus dois irmãos, na outra minha mãe e meu irmãozinho mais novo.
As noites eram longas e insones desde que eu era criança.
Bom voltando ao assunto inicial,. Minha mãe de longe me fez aquele gesto de que eu iria apanhar se tudo não estivesse feito.E não estava. Já gelei, corri pra casa tentando ajuntar tudo. Mas não deu tempo.
 A criança dona de casa de apenas cinco anos, não podia falhar.Resultado, uma boa surra, castigo e palavras como:Você não presta pra nada, é igual teu pai.
Pai...Para mim não tinha pior referencia que meu pai..Um bêbado, cruel, que só fazia bater na minha mãe e nos espancar...Não me lembro bem do que senti, mas o que me vem ao coração quando me lembro desse episódio é que minha mãe nunca gostou de mim.Não só pela surra que levei, mas pelo olhar que ela sempre me lançava. Aos cinco anos já queria que eu fosse uma mulher, que cuidasse da casa e dos irmãos.
E eu só queria ter podido ser criança.
Mas não a culpo a vida dela era cruel também...
Muito trabalho, quatro filhos para criar e muitas dores...
Sandra

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Assim tudo começa...Fragmentos de lembranças

Eu nasci, no dia 08 de julho, em um hospital que não sei o nome, não sei se nasci de manhã , a tarde, ou a noite.Não sei se chovia , se o tempo estava bonito...
Não sei se fui desejada, esperada ou rejeitada. De qualquer forma, foi-me permitido nascer
meus pais vieram pra Minas quando eu tinha cinco anos, então me considero mineira.
A minha história até os cinco anos de idade, não sei contar.São paginas em branco.
Já que minha mãe morreu quando eu tinha essa idade.
E não tinha tempo pra sentar e contar as coisas da nossa vida.
O que sei é o que me lembro...Poucas coisas da infância e todas elas dolorosas.
Tristes...Aliás nem todas, as brincadeiras com os irmãos eram maravilhosas.
A liberdade de correr pelo mato, de ainda sonhar tudo isso era bom.
Eu era a segunda de quatro irmãos.A unica menina...A responsável pelos outros irmãos.
Eu que tinha que cuidar da casa, do alimento deles, das roupas...
Incrível pensar que uma menina de cinco anos pudesse ir pra mina, com o irmão mais novo  nos braços, e a bacia de roupa escorada nos quadris...mas eram momentos bons.
Em que eu o deixava no poço de agua limpa e cristalina e ia pra bica lavar as roupas...
Os dias passavam rápido...Ficávamos sozinhos o dia todo, minha mãe trabalhava em dois empregos...
Meu pai, falo dele depois...


Sandra



Meu diario

Este Blog eu criei para atender a um pedido de minha família, 
e de alguns amigos amados.
Aqui  será como um diário , onde contarei minha vida, 
desde os anos de criança, até onde minha mente alcançar.
Minha história , as vezes sofrida, as vezes feliz, as vezes engraçada.
Mas sempre, sempre, real.
Minha vida, que assusta, que as vezes entristece, mas que mostra
que sempre e apesar de tudo, podemos vencer, sem deixar que magoas e dores,
nos façam sucumbir.Nos façam amargar, nos façam desistir.
Nos desviem do caminho da bondade e da compreensão.
É aqui que guardarei minhas passadas e profundas dores.
Compartilhar com vocês me fará bem.
E poderei me livrar de vestígios do que ainda dói.
Amo vocês!
Amo a vida!
Amo ser quem sou e estar onde estou.
Sandra Botelho!