É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo." (Clarice Lispector)

sábado, 5 de novembro de 2011

O ladrão?

 Quando eu tinha quinze anos,meu pai decidiu reformar a casa, então fomos morar no porão.
Na verdade, era mais uma morada, que meu pai havia feito para as emergências.
Um local pequeno, composto de sala, bem pequena, um quarto e uma cozinha.
Tudo minimo. Descemos só com o necessário.
A reforma seria rápida.
E mal sabia eu, que nesse lugar tão pequeno, eu iria novamente passar por um susto.
Dormíamos na sala eu, e meus dois irmãos.
Eu no sofá, eles num sofá cama. Eram aproximadamente três horas da madrugada, uma madrugada iluminada pela lua.
Como não havia cortina na sala a luz entrava e tudo ficava a meia luz.
 Adormeci e  algo esbarrou em minha perna.
Abri os olhos e vi um vulto, ainda sem muita noção achei que fosse meu irmão.
E perguntei: Alyson o que você quer? 
A resposta veio arrepiante: Não grita que é ladrão.
Naqueles segundos muitas coisas passaram pela minha cabeça.
Fiquei paralisada de medo. Mas sabia que tinha que fazer alguma coisa.
Ele não era ladrão, se fosse porque estava me descobrindo. Porque?
Se as jóias de minha mãe estavam todas sobre a mesa de televisão?
Porque não pegou e foi embora. Porque ele veio até mim e tirou de sobre meu corpo a colcha?
Então olhei para aquele vulto e na sua mão vi um punhal.
Deus me deu forças, dei um tapa em sua mão e gritei com todas as forças do meu pulmão.
Gritei por meu pai. Vi quando o vulto passou pela janela em disparada.
Meu pai de um pulo já estava no meio da sala,. me perguntando o que tinha acontecido.
Eu chorando e tremendo disse que tinha alguém em casa. Ele então foi até a cozinha, e a porta estava fechada.
Nenhum sinal de que alguém houvesse entrado ali. Ele então disse que era sonho. Pesadelo.
E que mesmo assim chamaria a policia, que só foi aparecer em casa as oito da manha.
Fomos dormir todos no quarto junto com meu pai e minha mãe. Eu jurando que tinham entrado ali e ninguém acreditava em mim. mas todos ficaram com medo mesmo assim.
No dia seguinte é que todos acreditaram.. A policia que percebeu como ele tinha entrado e saído sem deixar rastros.
Minha mãe tinha deixado uma faca em cima da maquina de lavar, com essa faca ele desparafusou a fechadura por fora( fechadura antiga) Entrou...Quando saiu bateu a porta ela por dentro parecia trancada.
Poderia ter voltado se quisesse...
Quinze dias depois ele foi preso. Por ter estuprado duas moças que moravam em uma republica.
Um estuprador, não um ladrão...E mais uma vez Deus me protegeu.

Sandra Botelho

Nojo


Noite feliz, dormir na casa de uma tia que eu amava...
Uma pessoa arrojada, dona da sua vida, pra época a chamaríamos de moderna;
Como eu a admirava, como gostava dela, de estar perto dela.
Era o meu espelho, a pessoa que eu sonhava parecer um dia.
Nos gestos nobres , na doçura, no respeito com que me tratava.
Mais que uma tia, uma amiga.
E ele o tio, alguém que eu considerava muito especial também.
Alguém a quem eu considerava como um tio de sangue.
Bom, gentil.. amável...
Tudo certo, iria dormir na casa deles, não me importava de dormir no sofá.
Minha alegria era dormir a acordar ao lado da minha tia.
Eu só tinha 11 anos, uma menina...na idade e nas atitudes.
Foi muito bom...até que...
Fomos dormir, eu sempre tive um sono frágil. Ao menor barulho acordava, a um toque então...
Por menor que fosse ja me despertava.
Acordei na madrugada, sentindo que algo me tocava.Abri os olhos ainda embaçados de sono e vi em pé diante de mim, no sofá da sala, aquele homem nojento.
Com sua respiração amedrontadora, ele bufava feito um bicho  excitado...
estava me descobrindo, retirava delicadamente o lençol de cima de mim e por isso encostou em mim.. Completamente nu , ele me observava, e se masturbava.
Tive nojo, medo, vergonha... Mas encontrei forças e perguntei o que ele pretendia.
Ele não me respondeu e continuou a se tocar, me olhando com aqueles olhos de monstro.
Nunca me esqueci da sua respiração, tenho pesadelos as vezes.
Então eu lhe disse que ia chamar minha tia no quarto em frente, adormecida , depois de um dia de trabalho.
Ele então mudou o olhar de excitado pra raivoso. 
E saiu em silencio...Dirigindo-se ao quarto.
Chorei o resto da noite, sufocando minhas lagrimas com o travesseiro. Os soluços eu engolia como um fel que escorria garganta abaixo, me envenenando a alma, matando minha inocencia.
Na manhã do dia seguinte, agiu como se nada tivesse acontecido. Eu nunca contei nada a ninguém.
Não acreditariam em mim...
Nunca...
E assim se sucederiam os assédios...
Me machuca ainda me lembrar disso.Mas hoje convivo bem com essa dor.
Eu venci, venci o medo, venci o horror, venci o nojo que tinha de sexo.
Hoje vejo tudo diferente.
 Antes me sentia culpada, hoje sei que eles eram os monstros, e eu apenas a vitima inocente.

Sandra Botelho